"As portas da perçepção foram abertas, tudo passa a ser como realmente é: infinito". O efêmero passa a ser intenso, mais intenso do que nunca. A vida é vista no seu sentido pleno, nada se esvai a ela. Não há mais fim nem começo, a mentira confunde-se com a verdade, no fundo sempre foi o mesmo. E...O portal da mente é aberto...

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Nostalgia



Abriu aquele portão que não era mais o mesmo. Não sabe há quanto tempo, nem quantas vezes aquela passagem que lhe era tão intima havia sido mudada. Anos atrás costumava ser de uma madeira envelhecida. Por vezes quebrava, fazendo com que seu pai abrisse a antiga caixa de ferramentas para consertá-lo. Agora o portão era de metal, e não havia mais aquela antiga cerca que perdurara por tanto tempo. Sempre reclamara dela, incontáveis foram as bolas de futebol que tiveram seu fim nas farpas daquele arame.

Adentrou na casa, o pequeno espaço onde jogava bola ainda existia, agora com piso "vivo". Entre os espaços de concreto, uma grama verde reluzia. Pensou sorrindo quantas "cabeças de dedo" teriam sido poupadas se tempos atrás houvesse aquela grama.

            -Senhor, senhor...Vamos entrar para o senhor conhecer o interior da casa - disse a vendedora fazendo-o voltar a si por um instante.

Entrou numa casa que não era aquela de seu tempo. O teto agora era coberto por madeira. Menos mal, levando-se em conta os transtornos que sua mãe passava com a sujeira que caía das antigas telhas. A sala havia sido totalmente remodelada, assim como os diversos cômodos. Malmente reconhecia onde fora um dia seu quarto.

            -Temos 3 quartos amplos senhor, um deles com suíte...- falava sem parar a mulher loira e bem vestida, sem respirar nem sequer um segundo.

Ele a ouvia ao fundo, seus pensamentos estavam longe, 40, talvez 50 anos atrás. Se encaminhou para o quintal, acompanhado da falácia de sua inconveniente "companheira" que insistia haver outros cômodos para conhecer.

Os "fundos", como todos costumavam chamar, estava irreconhecível como o resto. Os pés de manga e caju tornaram-se a beira de uma grande piscina. Lembrou que ter uma piscina em casa era seu sonho quando criança, no entanto hoje preferia aquelas grandes pedras amontoadas que ficavam naquele lugar, e que haviam sido montanhas, naves espaciais, palcos de rock...

Veio-lhe uma lembrança que fez seus olhos encherem de lágrimas que não transbordaram. Desde que crescera chorar tinha tornado-se coisa rara, apesar de ironicamente haver mais motivos para tal. A lembrança era de seu irmão que padecera, e do caminhão de "mentira" (para ele sempre era verdade) que dirigia ao seu lado com um antigo volante perdido naquele imenso quintal, quintal que costumava fazer de mundo.   

Nessa altura a vendedora reclamava do enorme pé de Pinheiro que sujava a piscina, e que seria cortado para evitar o transtorno. Nunca entendera o que aquela arvore do sul e de lugares de clima frio, fazia em pleno sertão. Por diversas vezes imaginara aquela grande arvore coberta de luzes de natal. Gostava dela.

Lembrou do canto da cigarra, que vinha quase sempre dali. Todo fim de tarde, era certo ouvir seu canto, que o deixava irritado. Jogava pedras no Pinheiro, a cigarra como que se divertindo com a cara do tolo jovem, parava por alguns segundos e recomeçava seu canto, cada vez mais forte.

O sol já se punha a esta altura, outrora naquele horário estaria atirando pedras em cigarras, ou correndo para ver o carro do Fumacê passar despejando seu veneno, e fazendo a alegria das crianças.

Tudo era tão bom, vivo, agradável. Aqueles filmes, lapsos que passavam em sua mente. Tinha vontade de voltar no tempo. Não por ter errado, não queria fazer diferente. Queria viver de novo tudo aquilo, ter aquela inocência, aquela imaginação que fazia cada dia ser diferente, cada dia ser de fato um novo dia. Era um sentimento maravilhoso, porém triste de beirar o insuportável. Uma felicidade advinda de ter vivido tudo aquilo. De lembrar nitidamente de cada passo, cada queda. No entanto sentia-se triste por não poder viver aquelas coisas novamente. Era doído tudo isso para aquele velho coração, já baleado de tantas viagens.

Sua reflexão foi quebrada pelo som insuportável, que não era de uma cigarra, aliás como queria ouvir uma cantar novamente. Tinha certeza que não jogaria pedras como outrora. O som alto que ouvia vinha das buzinas dos carros que transitavam na rua onde um dia jogara futebol, e hoje era ponto de engarrafamento na hora do rush.

            -Então senhor podemos fechar a compra? - Havia até mesmo esquecido da vendedora "hiperativa" que o acompanhava.

Sem responder uma palavra, aquele excêntrico senhor saiu, deixando atônita a mulher que considerava certa a venda daquela bela casa.





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