"As portas da perçepção foram abertas, tudo passa a ser como realmente é: infinito". O efêmero passa a ser intenso, mais intenso do que nunca. A vida é vista no seu sentido pleno, nada se esvai a ela. Não há mais fim nem começo, a mentira confunde-se com a verdade, no fundo sempre foi o mesmo. E...O portal da mente é aberto...

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Amor de malandro

Acordou após a forte luz do sol agredir seus olhos. Meio atordoado não entendeu bem o que estava por acontecer em sua pequena pocilga. Seu Raul abria as cortinas do pequeno espaço composto apenas de quarto, sala e um minúsculo banheiro. Aos berros usava todo seu repertório de palavrões. Januário permaneceu na cama, sua cabeça parecia que ia explodir, e ainda se encontrava meio tonto, resquícios da noite anterior. Aos poucos foi recobrando sua consciência, e percebeu que Seu Raul estava lhe cobrando mais uma vez o dinheiro do aluguel, que já completara três meses de atraso. Levantou-se e sentou ainda na cama.




- Seu Raul, prometo que desta semana não passa, os negócios...


- Que negócios seu vagabundo, você não faz nada dessa vida fio de uma égua, quero meu dinheiro hoje. Faz mais de uma semana que foges de mim, mas hoje eu te peguei. - interrompeu Seu Raul sem ao menos esperar o argumento de seu enrolado inquilino.


Januário tirou algumas cédulas e moedas do bolso, que não davam conta nem de um terço da dívida. Seu Raul vendo o pouco dinheiro passou os olhos pela sala,se deparando com uma vitrola sob a estante castigada por cupins, resolveu levá-la como pagamento da dívida em questão. Januário até pensou em impedir o velho com aparência austera, bigodudo e de vestes sujas, mas preferiu não lutar contra aquilo. A vitrola havia sido presente de uma cubana, que certa vez visitara a cidade histórica da Bahia onde vivia, e com quem tivera um breve caso. Uma série de vinis de Cartola, Nelson Gonçalves e mais outros ficaram sobre a velha estante. 


Após rápida passagem pelo banheiro, Januário pegou seu antigo violão e seu chapéu branco característico, ambos heranças de seu pai. Foi paras ruas, onde de fato era seu lar. Perdeu seus pais muito cedo, quando tinha apenas 14 anos, e aprendeu cedo a ser malandro. Seu destino era certo, o bar de Dona Dalva. Passava o dia a dar vida às cordas de seu violão, que acompanhava sua belíssima voz, donde saíam belas canções. 


Para os habitantes daquela pequena cidade, era apenas um vagabundo que atraía as meninas ainda inocentes com seu papo fácil, e canções baratas. Para outros um bêbado preguiçoso que não queria nada com a vida, não sabendo eles que na verdade Januário era apaixonado pela vida, e não conseguia se adaptar a rotina que aqueles ao seu redor consideravam dignas. Dona Dalva era uma das poucas da cidade que conhecia a história do malandro, fora amiga dos pais dele, e sempre que podia ajudava o “pobre coitado”. 


Januário era um sonhador, e se considerava um homem fora do seu tempo, ou de seu lugar. Desde que escutara as histórias que Omara, a cubana que certa vez passara alguns dias com ele, contara-lhe sobre Cuba havia se encantado, e vivia dizendo para Dona Dalva que qualquer dia iria parar lá.


Enquanto tomava seu primeiro gole de cerveja, apareceu na porta Andreia, a mulher por quem Januário estava enrabichado já havia algum tempo. Pôs-se a tocar e cantar versos de improviso para aquela linda negra de cabelos cacheados, e de olhos verdes. A mulata ocupava boa parte de seus pensamentos, e era musa de suas canções há um bom tempo. Andreia sorriu cinicamente para o malandro e após pegar a “quentinha” de seu chefe partiu para o lugar em que trabalhava. No meio do caminho Januário a abordou, e tentou beijá-la como diversas outras vezes já havia o feito, mas a mulata de corpo esbelto virou o rosto quando o ato parecia concretizado, e pediu que lhe encontrasse a noite, próximo de seu trabalho.


Januário, conquistador e galinha, já havia deixado apaixonadas diversas garotas da cidade. Mas nunca havia se apegado a nenhuma delas, o que lhe rendeu a sua má fama. No entanto, nunca havia sentido nada parecido pelo que sentia por Andreia, talvez pelo fato de que ela não era unicamente sua. Andreia trabalhava num dos mais famosos Bregas da cidade, e era uma prostituta, das mais belas e mais requisitadas. Há algum tempo o malandro com sua conversa fácil havia conseguido seus serviços de graça, e desde então se apaixonara, e a encontrava sempre que as horas de folga do trabalho de Andreia permitiam.


A noite como combinado Januário estava lá, na viela escura próxima ao antigo casarão onde havia um bar, fachada do bordel que ali funcionava. Após esperar por mais de uma hora, apareceu Celestina, uma das putas que trabalhava com Andreia, e trazia-lhe um bilhete da sua paixão. Em poucas palavras Andreia pedia que ele a encontrasse na sua pocilga, onde o estava a esperar. 


Encaminhou-se então para o cortiço onde morava, não gostava de levar Andreia para lá, pois não achava o lugar digno da presença de sua amada. Estranhou o bilhete dela pedindo para que ele fosse vê-la em sua “casa”, mas havia tantos dias que não a via, que nem se preocupou com o acontecido. 


Chegando ao cortiço, ela o esperava em frente à porta de sua morada, e o recepcionou com um caloroso beijo. Adentraram a pequena casa, e ela estranhamente reparava tudo ao seu redor. Percebera a falta da vitrola que Januário havia lhe mostrado na primeira e única vez que tivera ali. A estante que caía aos pedaços, e guardava os vinis de tempos charmosos, que não eram mais estes. Quando Januário se preparava para esboçar algumas palavras, Andreia pôs lhe o indicador na boca, e logo após o beijou. O beijou como nunca o havia beijado, pela primeira vez se entregava sem medo aquele amor, que duvidara por muito tempo existir. Ele lhe rasgou a pouca roupa, e se entregou junto aquela ardente paixão. Dançaram a dança da paixão sobre aquela antiga cama, nem mesmo o barulho das dobras quase soltas, e prestes a soltar, era capaz de incomodá-los. Era o ápice daquele amor marginal, Andreia esquecia-se de sua dura rotina no Brega, de sua infância pouco feliz que havia lhe marcado e achava conforto nos braços daquele malandro, que não tivera uma sorte muito melhor que a dela. Por um momento, que se confundia com a eternidade, aquele casal viveu um sonho. Uma canção feliz. 


Na manhã seguinte Andreia que nem chegou a dormir direito, se apressara em pegar suas poucas vestes, ainda rasgadas. Januário despertou sorrindo, e foi ao encontro de sua amada, que recuou. E de costas e cabeça baixa disse:


- Não quero mais te ver, isso já foi longe demais, estou perdendo dinheiro nessas minhas fugas.


- Eu achei que você gostasse de mim – simples e espantando, como uma criança Januário soltou as palavras.


- Hahaha você já viu puta gostar de alguém, ainda mais vagabundo. Foi tudo diversão. Tem horas que a gente cansa de dar para bêbados sujos que mal conseguem conversar, e é bom se divertir um pouco com uma carinha de anjo que nem essa sua. Adeus, e por favor não me procure mais.













O malandro ficou estarrecido diante daquelas palavras, sem reação. Mais tarde foi para o bar de Dona Dalva como de costume, poucos estranharam sua falta de brilho. Esperou por Andreia, mas quem foi buscar a comida do patrão foi Celestina, que foi clara quando enfatizou que Andréia não o queria ver. Desesperado e depois de passar o dia afogando suas mágoas na mesa de bar, resolveu ir à procura da prostituta. No entanto barrado na frente do bar, e sem dinheiro para “consumir” no bordel, o malandro levou uma surra do dono do estabelecimento, e foi jogado na viela onde diversas vezes encontrara a bela mulata. Chorou ao relento, nunca amara outra mulher como amou aquela “puta”. Foi então que decidiu partir daquela cidade, pegou suas poucas tralhas, pôs seu violão nas costas e caminhou sem rumo.


Na cidade ninguém mais o viu. Alguns dizem que o malandro se deu bem, e realizou seu sonho de conhecer Cuba, onde vivia à custa da cubana que certa vez conhecera. Outros dizem que o destino foi cruel com o coitado, e que vez por outra alguém o via com seu violão nas sarjetas da capital. Mas ninguém sabia o que de fato acontecera ao malandro de coração partido e violão na mão.


O que Januário nunca soube é que ele conseguira tocar o duro coração daquela prostituta, que por muito tempo duvidara do verdadeiro carinho, afeto e ternura. Ela o amara, mas não suportou sentir aquilo, com a vida que levava.








quinta-feira, 3 de maio de 2012

Cheirinho de café no fim da tarde


A tarde ia se despedindo em seus últimos suspiros, e as frestas amarelas do sol atravessavam as pequenas janelas entreabertas da cozinha. Aquele cheiro inconfundível pairava no ar, o café estava quase pronto, mas a lembranças que se passavam pela minha cabeça me diziam que faltava algo.

Engraçado estas coisas da vida, tem cheiros que te marcam. Pessoas que te marcam. Faltava um pedaço, mas eu ainda vivia, sobrevivia ,não sei dizer ao certo. Acho que as coisas são assim, você segue sempre para frente, e coisas vão ficando para trás. Aqueles beijos enquanto a água ainda estava no fogo, por vezes acabava passando do ponto. Acho que as chamas daquele antigo fogão a lenha, acabava nos contaminando, e o que começava na cozinha, quase sempre acabava no quarto, ou no sofá. Os sorrisos pouco tempo depois, anunciavam o gozo de desfrutar muito mais do que aquele afetuoso café.

Não sei o que aconteceu, talvez tenha sido a rotina. Mas como pode alguém enjoar daquele cheirinho de café de fim de tarde. Palavras que ouvira outrora ecoavam ainda na minha mente. E aos poucos ia descobrindo o que lá o fundo já sabia...

 O café está pronto, volto de meus devaneios de um passado real, e não tão distante. Encho a minha xícara preferida, e mais memórias passam pela mente. Tomo alguns goles, tenho a impressão que falta algo. Não está tão doce como era de costume, mas sei que o açúcar não ajudaria a adoçá-lo. Sento no sofá, deixo as lembranças de lado, e continuo a tomar o meu café amargo...


domingo, 25 de março de 2012

Reflexões de fim de noite

Se fosse empresário e tivesse grana investiria no setor das bebidas alcoólicas, ou em outros tipos de drogas, caso fossem lícitas (cocaína, maconha, LSD etc). Faria isso porque não é difícil perceber o quão caótico é essa sociedade em que vivemos. As pessoas se drogam o tempo todo, e vêm na droga, sobretudo o álcool por ser licito, a única forma de uma rara felicidade, um reles momento de prazer. Não precisa se esforçar muito para ver isso, olhemos ao nosso redor. 

Temos uma juventude sem perspectiva, que quer aproveitar a qualquer custo este momento da vida, pois sabe que no futuro será um adulto chato e cheio de responsabilidades. E olhemos todas estas pessoas que convivemos todos os dias, trabalham em empregos que odeiam, passam cinco, seis dias esperando o fim de semana, que é quando livres momentaneamente da escravidão imposta por este sistema, vão poder sair de si por algumas horas, e ter um raro momento de prazer com os amigos na mesa do bar. Se tiverem sorte encontrarão algum parceiro sexual que dure aquele fim de semana, ou pelo menos aquela noite de sábado.

Os que são casados em sua maioria, vivem vidas infelizes, apesar de muitas vezes quererem manter as aparências, mesmo percebendo que brincar de casinha não é lá tão legal como nos filmes de Hollywood. Estes também encontram nas drogas um refugio dessa situação, que cada vez mais, mostram os dados, terminam em divórcios turbulentos. 

Mas nem tudo é “desgraça”, alguns poucos encontram uma pessoa que realmente gostam, e isso deixa a vida mais leve, o que explica porque estas pessoas se droguem menos. Elas possuem um dos poucos laços de verdadeira felicidade, compartilham um verdadeiro sentimento. No entanto, nem tudo também são flores, quando este laço se rompe, é justamente no álcool que lá vão eles buscarem refugio. 

Como então criticar aqueles que tiram 30% do seu salario de escravidão, e veem na bíblia refugio melhor que o álcool, enriquecendo falsos profetas com a vontade de se livrarem desta tortura social? Vamos lá pessoal, só olhar ao redor, Marx a mais de um século atrás já havia dito que o capitalismo iria “fuder”, para usar um termo atual e de fácil compreensão, com as relações afetivas verdadeiras. Pois é caro amigo, ele estava certo, e o que temos hoje é uma sociedade doente. E enquanto isso o que fazemos? Nos drogamos e vivemos nossas vidas medíocres como se tudo isso fosse algo natural.


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