"As portas da perçepção foram abertas, tudo passa a ser como realmente é: infinito". O efêmero passa a ser intenso, mais intenso do que nunca. A vida é vista no seu sentido pleno, nada se esvai a ela. Não há mais fim nem começo, a mentira confunde-se com a verdade, no fundo sempre foi o mesmo. E...O portal da mente é aberto...

terça-feira, 16 de julho de 2013

Emanuelle


Ela preparava-se mais uma vez para entrar no palco da pequena casa de shows, que lembrava um antigo cabaré, sobretudo pelo aspecto meio antigo e clássico, uma fachada com ornamentos que lembravam o período barroco.  Na porta do pequeno quarto, que transformara-se em camarim, o dono da casa aparecera já esbravejando pela demora da estrela daquele pequeno estabelecimento. Sabia ele que a maioria dos clientes, já incontentes, vinhera para vê-la. Emanuelle ainda terminava seus últimos retoques na maquiagem, e ficou indiferente aos gritos de seu patrão. Vagarosamente levantou-se após terminar calmamente os retoques em seu rosto. O vestido branco delineava-se sobre seu corpo, desenhando-o como que perfeito. Avançou contra o senhor barrigudo de cabelo pintado de preto e terno amarelo, lentamente colou seus lábios vermelhos sangue na bochecha do patrão, e seu Manoel quase que enfeitiçado calou-se, como se aquela marca vermelha em sua bochecha tivesse amordaçado sua boca. Sucumbiu sem resistência ao encanto daquela linda mulher. Emanuelle sabia que tinha poder sobre os homens que a cercava, e sabia exatamente o que fazer para que eles fizessem sua vontade.

Seguiu pelo escuro e estreito corredor que levava ao palco. Sua pele amarronzada, seus lábios carnudos e seu rosto levemente arredondado, fazia os dois seguranças ali esquecerem de seu trabalho para contemplá-la. Seu corpo cheio de curvas desenhadas pela roupa que lhe cabia como por encomenda, dificilmente uma roupa não lhe cairia bem. Sua beleza fazia inveja até mesmo a Afrodite ou as mais belas musas. Era a poesia incorporada, não só sua inspiração. Subiu no palco, era ali que brilhava, e não só pelos pequenos cristais do seu lindo vestido dado pelo prefeito da pequena cidade.

Os homens ali embaixo literalmente babavam a sua presença, e ela sabendo de seu poder, os encarava um a um, com uma olhar cor de mel que deixava todos hipnotizados, em transe. Ela despertava algo que beirava o sobrenatural naqueles ali. As mulheres , por mais belas que fossem, eram ofuscadas por sua beleza, balbuciavam comentários mesquinhos em que nem elas próprias de fato  acreditavam. O senhor que dançava com sua mulher entortava o pescoço como um contorcionista para ver melhor as curvas de Emanuelle, o que o fez levar uma bronca tremenda acompanhada de um belo tapa de sua “patroa”. Era de fato uma energia que atraía e mexia com todos, capaz até de ocultar e deixar passar despercebido sua falta de talento cantando, e os erros de sua limitada banda. O centro da atenção era ela, todos apenas a contemplavam, seu corpo, seu gestos, a forma sensual com que parecia balbuciar, e não cantar, as musicas. Sem duvida era um ser de outro mundo.

Depois de quase duas horas de show, que mais pareceu um transe coletivo, onde esvoaçavam-se, rosas chapéus, e até mesmo dinheiro com direção ao palco, Emanuele terminava seu espetáculo. Todos cercavam a saída do palco, o desejo era de tocá-la, possuí-la, era uma deusa, e ela sabia disso, soltava beijos para os fãs enlouquecidos. O caminho de volta para o camarim era sempre mais difícil, ali nada mais importava, todo aquele desejo e adoração que tinham por ela. Estava só mais uma vez, e o dinheiro conquistado com aquele seu jeito que contaminava até os mais tímidos, não supria o vazio que sentia por dentro. Em frente ao espelho, seu sorriso tomava tons cinza, e a estrela não mais brilhava. Sua maquiagem era borrada pelas incansáveis lagrimas que derramava sozinha, como sempre foi, em frente aquele antigo espelho.







sexta-feira, 12 de abril de 2013

Nostalgia



Abriu aquele portão que não era mais o mesmo. Não sabe há quanto tempo, nem quantas vezes aquela passagem que lhe era tão intima havia sido mudada. Anos atrás costumava ser de uma madeira envelhecida. Por vezes quebrava, fazendo com que seu pai abrisse a antiga caixa de ferramentas para consertá-lo. Agora o portão era de metal, e não havia mais aquela antiga cerca que perdurara por tanto tempo. Sempre reclamara dela, incontáveis foram as bolas de futebol que tiveram seu fim nas farpas daquele arame.

Adentrou na casa, o pequeno espaço onde jogava bola ainda existia, agora com piso "vivo". Entre os espaços de concreto, uma grama verde reluzia. Pensou sorrindo quantas "cabeças de dedo" teriam sido poupadas se tempos atrás houvesse aquela grama.

            -Senhor, senhor...Vamos entrar para o senhor conhecer o interior da casa - disse a vendedora fazendo-o voltar a si por um instante.

Entrou numa casa que não era aquela de seu tempo. O teto agora era coberto por madeira. Menos mal, levando-se em conta os transtornos que sua mãe passava com a sujeira que caía das antigas telhas. A sala havia sido totalmente remodelada, assim como os diversos cômodos. Malmente reconhecia onde fora um dia seu quarto.

            -Temos 3 quartos amplos senhor, um deles com suíte...- falava sem parar a mulher loira e bem vestida, sem respirar nem sequer um segundo.

Ele a ouvia ao fundo, seus pensamentos estavam longe, 40, talvez 50 anos atrás. Se encaminhou para o quintal, acompanhado da falácia de sua inconveniente "companheira" que insistia haver outros cômodos para conhecer.

Os "fundos", como todos costumavam chamar, estava irreconhecível como o resto. Os pés de manga e caju tornaram-se a beira de uma grande piscina. Lembrou que ter uma piscina em casa era seu sonho quando criança, no entanto hoje preferia aquelas grandes pedras amontoadas que ficavam naquele lugar, e que haviam sido montanhas, naves espaciais, palcos de rock...

Veio-lhe uma lembrança que fez seus olhos encherem de lágrimas que não transbordaram. Desde que crescera chorar tinha tornado-se coisa rara, apesar de ironicamente haver mais motivos para tal. A lembrança era de seu irmão que padecera, e do caminhão de "mentira" (para ele sempre era verdade) que dirigia ao seu lado com um antigo volante perdido naquele imenso quintal, quintal que costumava fazer de mundo.   

Nessa altura a vendedora reclamava do enorme pé de Pinheiro que sujava a piscina, e que seria cortado para evitar o transtorno. Nunca entendera o que aquela arvore do sul e de lugares de clima frio, fazia em pleno sertão. Por diversas vezes imaginara aquela grande arvore coberta de luzes de natal. Gostava dela.

Lembrou do canto da cigarra, que vinha quase sempre dali. Todo fim de tarde, era certo ouvir seu canto, que o deixava irritado. Jogava pedras no Pinheiro, a cigarra como que se divertindo com a cara do tolo jovem, parava por alguns segundos e recomeçava seu canto, cada vez mais forte.

O sol já se punha a esta altura, outrora naquele horário estaria atirando pedras em cigarras, ou correndo para ver o carro do Fumacê passar despejando seu veneno, e fazendo a alegria das crianças.

Tudo era tão bom, vivo, agradável. Aqueles filmes, lapsos que passavam em sua mente. Tinha vontade de voltar no tempo. Não por ter errado, não queria fazer diferente. Queria viver de novo tudo aquilo, ter aquela inocência, aquela imaginação que fazia cada dia ser diferente, cada dia ser de fato um novo dia. Era um sentimento maravilhoso, porém triste de beirar o insuportável. Uma felicidade advinda de ter vivido tudo aquilo. De lembrar nitidamente de cada passo, cada queda. No entanto sentia-se triste por não poder viver aquelas coisas novamente. Era doído tudo isso para aquele velho coração, já baleado de tantas viagens.

Sua reflexão foi quebrada pelo som insuportável, que não era de uma cigarra, aliás como queria ouvir uma cantar novamente. Tinha certeza que não jogaria pedras como outrora. O som alto que ouvia vinha das buzinas dos carros que transitavam na rua onde um dia jogara futebol, e hoje era ponto de engarrafamento na hora do rush.

            -Então senhor podemos fechar a compra? - Havia até mesmo esquecido da vendedora "hiperativa" que o acompanhava.

Sem responder uma palavra, aquele excêntrico senhor saiu, deixando atônita a mulher que considerava certa a venda daquela bela casa.





terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Nada é em vão...


Era um jovem sonhador, feliz. Adorava sentir o vento alisar seu rosto enquanto pedalava com as mãos soltas, imaginava-se voando entre as nuvens. Possuía aquela alegria que apenas as crianças parecem possuir no mundo de hoje.

Todos os dias pela manhã como todos desse mundo cão, ia cumpri suas obrigações. Achava um tanto quanto tão banal tudo aquilo.  

- Bom dia – dizia ao empresário de terno e gravata que o ignorava com pressa.

Não entendia aquele corre-corre ao seu redor. Tantas pessoas, a largos passos, sem chegar a lugar nenhum. Gostava de sentar no banco da pequena praça, e alimentar os pombos. Eles não corriam, pelo contrario, voavam. Eram livres para isso.

No ônibus na volta pra casa, seu sorriso parecia único em meio a rostos tristes, cansados. Lembrou que certa vez havia visto um filme de zumbis ( o que lhe rendera vários pesadelos) , e era exatamente isso que lhe parecia. Riu ao pensar aquilo.

Descendo do ônibus ao passar por um loja viu aquele nariz de palhaço estampado na vitrine. Veio uma vontade súbita de compra-lo, mesmo nutrindo certo medo de palhaços. Retirou suas moedas e comprou meia dúzia daquele item. Tinha uma ideia do que fazer daquilo.

No dia seguinte enquanto sua mãe preparava o café apressada para sair para mais um dia de trabalho, ele surgiu na cozinha com aquele nariz de palhaço, arrancando um sorriso que há muito não via sua mãe soltar.  Objetivo alcançado. Após refletir bastante sobre todos aqueles corpos que caminhavam como zumbis pelas ruas e avenidas, surgiu-lhe a ideia de fazê-las nem que seja por um simples momento sorrir. E que melhor forma do que usando um nariz de palhaço?

Partiu seguindo seu caminho, sorrisos estampavam rostos ao seu redor. Não sabia se o achavam ridículo, ou se achavam interessante, engraçado. Não importava, queria apenas ver aqueles rostos tristes ganharem brilho e felicidade.  Aos interessados distribuía os outros narizes. Qualquer simples sorriso tinha uma sensação de dever cumprido. E continuou a fazer isso durante aqueles dias, pitando com sorrisos aquelas pessoas tão tristes.

Certa vez ofereceu um nariz daqueles para uma moça que bradava contra o cobrador que lhe passara por engano o troco errado. A mulher brava, pegou o nariz e jogou no chão, mandando-o sair de seu caminho. O jovem sentou-se cabisbaixo na sua poltrona, e lágrimas sinceras, quão raras tem se tornado elas, escorreram-lhe pelo rosto.  Começou a pensar o quanto inútil era tudo aquilo.

Em casa num ato de desespero, jogou todos seus narizes pela janela. Decidira não fazer mais nada para mudar aquilo. Tinha perdido a fé.

O destino tem dessas coisas, um médico de um hospital próximo passava pela rua naquele momento.  Encontrou aqueles narizes de palhaço espalhados pela rua. Ele trabalhava com crianças que tinham câncer. Lembrou-se daquele filme, de um medico maluco dos Estados Unidos que usava um nariz de palhaço para alegrar seus pacientes, foi então que lhe surgiu uma ideia; iria colorir um pouco aquele ambiente cinza em que vivia. 




sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O choro do poeta

As lagrimas se misturam com as palavras
No vai e vem à dor é congelada, frisada num momento
Fotografia da dor, imagem sem ação
Letras harmonizadas aos soluços
Emana-se o choro do poeta
Nascido para sofrer
Escreve para confortar
Poesias são lagrimas
Derramadas sobre o papel



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